16 de dez. de 2019

#aprendi_com_o_Gui_de_Carvalho



Para meus Pais
“o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo, e disputava a respeito do corpo de Moisés”
Judas 9
Porque Satanás desejaria o corpo de Moisés?
Porque tomar aquele corpo envelhecido, cheio de memórias horrendas, de encontros maravilhosos com Deus? Porquê sujeitar-se a ser confundido com ele, repetir seus trejeitos e cheiros, imitar a sua voz? Pior; e se ele era mesmo gago? O que poderia fazer um diabo gago?
Pergunta óbvia. A mera pergunta induz a resposta: toma-se o corpo para se parecer. Há muitas formas de se parecer com alguém, mas qual seria melhor que tomar o seu corpo?
Desceu, pois, o arcanjo Miguel, para contender com o diabo e disputar o corpo do profeta. Também Deus queria aquele corpo, que era seu. Deus não queria só o espírito, mas também o corpo. É claro, Deus não queria apenas impedir que o diabo enganasse a outros por meio daquele corpo – engano possível apenas se não conhecêssemos nada além de Judas nove. Deus queria o que era seu. Mas também, o que era de Moisés; só o diabo quererá negar a identidade de Moisés com o seu corpo, e o ponto é inimaginavelmente importante, a ponto de conferir proporções cósmicas à batalha por ele.
Corpo é expressão temporal e material do ser; superfície na qual o interno se torna visível, o profundo na superfície, o símbolo de mim, que participa do que sou eu. Isso é o que o corpo deveria ser; para isso Deus criou o corpo. Mas a queda destruiu seu nexo com seus fins, e colocou o eu contra o eu, o eu interno contra o eu externo. A primeira espiada em Romanos sete nos fará lembrar rapidamente a miséria de se achar fraturado, de querer e não querer ao mesmo tempo, de buscar a própria redenção por meio da autodestruição.
O pecado separa barro e espírito, mata o sentido, afasta corpo de ser. Situação deveras miserável; eu separado de mim e, como se não bastasse, figuras infernais desejam alienar-me ainda mais de mim mesmo, tornar-me em dois e, então, em outro, para usar-me contra mim. O que será que Moisés pensou quando viu, de sua nuvem, o diabo lutando para apossar-se da sua superfície, para conectá-la com uma outra profundidade?
Aluta entre Miguel e o diabo pelo corpo de Moisés lembra-me a luta pelo sentido, no campo da interpretação, e da própria teoria hermenêutica; ou melhor, a luta pela forma do sentido; ou a luta pela superfície do sentido que, não deveria mas, miseravelmente, é separada de seu coração, de sua fonte semântica profunda.
Ora, um calvinista, tipicamente, não se entregaria a este tipo de alegoria fantasiosa, inventando sentidos com as imagens bíblicas. Eu, especialmente, que por tantos anos defendi uma interpretação literal (embora não literalista) das Escrituras – que ironia. Mas antes que os amigos torçam seus narizes contra mim, quero desculpar-me de tão insólito uso do corpo de Judas, que não quero roubar, de forma alguma. Meu exercício de imaginação não terá a pretensão de significar o que Judas quis dizer, naturalmente. É claro que não estou fazendo exegese. Ao menos, não exegese bíblica.
Talvez, sim, exegese de um comportamento realmente diabólico, esse, de tentar roubar o corpo dos outros, ora. Isso, de fazer roubo semântico, é outra coisa. Ladrões de corpos, violadores de túmulos! Saqueadores criminosos esses hermeneutas que querem usar a superfície dos outros para ganhar o amor dos homens.
Diabolicamente enfiando-se nos braços, nos olhos e na língua que um dia foi de Moisés, e do Espírito de Deus – de ambos – para dizer algo que não é mais a mentira absoluta, que seria nada (em verdade, que não é), nem a verdade, que disse Moisés, mas para dizer uma síntese perniciosa que tem, corpo de verdade, mas espírito de mentira. É a verdade vazia que tem o cheiro, as rugas, o pêlo e o timbre da verdade, mas que é realmente outra coisa. E é difícil mostrar a mentira; afinal, se parece tanto com a verdade!
Um teólogo “diabólico” fará qualquer coisa para ser amado como Moisés, ou como Jesus, ou como Paulo, ou como os doutores da igreja. Sei o que digo, já o vi antes. Ele se sujeitará a usar aquelas palavras ignóbeis da tradição cristã, e consumirá tempo precioso se esforçando para obter um ponto de contato com o evangelho; aceitará em si as rugas e o fedor de alguns dogmas, e finalmente acreditará ser a própria re-encarnação de Moisés, o novo Moisés, com a mesma cara de antes – “mas com um melhor coração, enfim!” E tudo isso para esmolar a atenção complacente deste mundo podre. Pobres diabos-gagos. Seu último estado tornou-se pior que o primeiro.
“Misticismo semântico”: expressão Schaefferiana, para designar a ilusão de que o mero uso da linguagem cristã tornará o nosso discurso cristão, mesmo que sua carga semântica seja fruto de nossa própria imaginação filosófica. Como se as palavras dessem a luz ao sentido, e não o sentido às palavras; como se as meras palavras pudessem criar espírito e realidade, tal qual um “pó de pirlimpimpim” teológico.
“Misticismo Semântico”: expressão especialmente desprezada e, até mesmo, odiada, capaz de fazer queimar o ventre de alguns teólogos. Desprezada, como não? Que pode um Schaeffer contra um Schleiermacher, ou um Tillich, ou um Bultmann, ou um Ricoeur, ou um Queiruga, ou um Rubem Alves, ou uma dessas Emílias que infestam os seminários teológicos? Que audácia! Sem dúvida, admito, precisamos submeter essa expressão a um tratamento mais sofisticado. Pobre Schaeffer; era um evangelista, não um filósofo, e muito menos um especialista em filosofia da linguagem religiosa.
Mas vou eu em sua defesa: ele conhecia o diabo o suficiente para enxergar o vazio sem fundo dentro dos olhos de algumas carcaças teológicas contemporâneas. Olhos tão parecidos com a velha tradição, tão brilhosamente evangélicos, tão impressionantemente consistentes mas… tão ocos de significado evangélico. Ou melhor, olhos tão cheios de outros significados, brilhando com luzes infernais, de sentidos infernais, quentes e vermelhos de revolta contra Deus.
Quem tem olhos para ver, veja. Isso não é coisa de somenos. Há crentes que apontam o poder do leão, e respondem tranqüilos: “o evangelho não precisa de defesa; só precisamos mantê-lo livre.” Pura inocência. Ainda mais com essa estratégia perversa de roubar o corpo dos outros. Como saber se aquele leão também é oco? Ou se está cheio com o pai da mentira?
Por isso Miguel descerá do céu, de novo, e de novo, e de novo, e contenderá pelos corpos de Deus, mesmo que sejam corpos mortos. E o diabo contenderá também; e os simples ficarão horrorizados: “porque tanta disputa em torno de um corpo? Porque tantas lágrimas e violências para guardar essas formas mortas, se o que importa é o espírito?”
Sim, o que, afinal, se pode fazer com esses ossos secos e empoeirados? Porquê submeter-se a horas, dias, e anos, de análise conceitual e reflexão, para demonstrar que a carga semântica de um certo discurso teológico é, finalmente, uma corrupção enganosa da verdade, do sentido que o evangelho nos trouxe? Porquê defender com unhas, dentes e mentes, o teísmo clássico, ou as duas naturezas de Cristo, ou sua unidade pessoal, ou a universalidade do pecado, ou a ressurreição literal dos mortos, ou a expiação vicária, e todas essas velharias dogmáticas?
Deus sabe o porquê. Deus e seus anjos o sabem, sim, mas principalmente, o diabo.
Convoca pois, o Senhor, anjos, para descerem de suas nuvens de apatia e desembarcar ali, onde um velho corpo é possuído, e dar luta ao pai da mentira. Quando aprouver a Deus, este velho corpo será ressurreto, e seus olhos estarão cheios do Espírito Santo. E seu rosto brilhará, com ainda maior brilho, e não haverá véu que oculte sua luz.
Até lá, – que saudade! – se temos apenas estes corpos inertes de tradição religiosa lançados aí, num canto, que seja. Os anjos chamados, fiéis em busca de compreender, estarão de guarda, esperando pacientemente pela ressurreição. E nossas espadas analíticas estarão prontas contra o diabólico misticismo semântico.
*PUBLICADO NUMA QUARTA-FEIRA, 12 JULHO DE 2006, NA AURORA DAS NOVAS TEOLOGIAS IDENTITÁRIAS E DO CLERO GOSPEL-COACH
“misticismo semântico:  expressão Schaefferiana, para designar a ilusão de que o mero uso da linguagem cristã tornará o nosso discurso cristão, mesmo que sua carga semântica seja fruto de nossa própria imaginação filosófica. Como se as palavras dessem a luz ao sentido, e não o sentido às palavras; como se as meras palavras pudessem criar espírito e realidade, tal qual um “pó de pirlimpimpim” teológico.

10 de dez. de 2019

streaming musical

Tivemos tão pouco tempo, tão imaturos fizemos uma casa, conhecemos horrores, nos enganamos sobre nós mesmos, um amargo gosto que ficou, fomos a lugares. E estranhamente, ainda não sei se você preferia água gelada ou fresca, Godard ou Truffaut.
Um show de uma cantora em Bh, eu triste por estar passando por um termino. Havia sido apresentada a um curso numa escola de teologia que trazia um tipo de revolução calvinista e leitura da cultura, e você não sabia nada sobre o autor de crônicas de Narina, você estava no lugar certo, e era nosso primeiro ensaio de uma dança que logo aconteceria. Com camisa jeans, salvo engano e uma cara meio menino bagunceiro, meio príncipe uma coisa desculpando a outra, bati os olhos nos seus e ali fiquei pensando quem, afinal, era você.
Ok, eu te achava bonitinho, mas isso era o de menos: o que realmente me desafiava era a sua fama de esquisito. E aquela gargalhada que você me tirava quando me ligava por horas. Sim, você tinha fama de esquisito, não vem dizer que não sabia. Essas famas, aliás, no plural: alternativo, mulherengo, viado, religioso. Eu te achava pretensioso e confiante, embora tudo isso estivesse disfarçado de simplicidade, o que tornava tudo mais enigmático. Eu realmente não te decifrava.
É verdade que você viajava muito, falava muito, o que eu achava uma graça de tão ingênuo. E me ouvia. Você me ouvia. E não fazia ideia de como tantos traumas iam nos atropelar mais pra frente, por conta daquelas historias e lacunas e medos.
 Essa era a melhor parte, você estava ali me ouvindo e se ouvindo e Deus nos ouvindo. E a gente respirava tão de pertinho e ali não cabia nenhuma maldade, e era tudo uma outra frequência e seguro. Admito que estar sempre lendo livros enormes e não tinha ninguém que me ouvisse sobre eles a não ser você e  não era nada sensual como as outras garotas, eu não sei nada sobre sensualidade, e falávamos sobre qualquer assunto no twitter e isso pesou pra que em uma semana eu mudasse a sua classificação de cantor-de-igreja-que-canta-e-finge-que-entendeu-agnusdei  pra cantor-que-quer-um-dia-cantar-tudo-e-entender-angnusdei.
O que mudou tudo. Você não fazia ideia.
A questão é que ficamos meio amigos. Meio porque não dava pra ser inteiro. Com aquela respiração tão de pertinho doce e quente.  Meio porque assim conseguimos suspender um encontro que só aconteceria três anos depois, quando eu te convidei pra passar um tempo em Beagá, comigo falado sobre seu termino, em um bar de rua, onde o maior sinal da folia era a nossa alegria em estar. E você nem ai. E eu pude enfim me apaixonar, totalmente Colombina.
Peça de venda

Eu estava recém-separada e com aquele discurso cafona de não querer nunca mais. Mas aí você começou a jogar sujo, e fez coisas terríveis e imperdoáveis, como brincar com o meu filho e saber sobre as coisas mais escondidas dentro de mim e não me julgar. E eu fui te estudando desesperadamente pra descobrir seus defeitos, porque não era possível alguém acordar bem-humorado e ainda por cima fazer a capela das minhas musicas favoritas. Ter coisas tão difíceis e ser doce.  E assim eu fui ficando... uma semana, um mês, anos.

E assim você foi embora. Num terror absoluto. Igual a musica “Olhos nos Olhos”,  eu quase morri, adoeci de uma mistura de todos os sentimentos, fora a doença que eles acharam para explicar o tudo que havia sido ate ali,  um pouco de magoa, tristeza e muita dor, disse que preferia me ver no caixão, ou te ver no caixão do que ter que estar viva pra te ver morrer na minha vida e vice e versa (..cantei mil vezes a Vultures e ainda não era aquilo que eu queria dizer, era ainda pior ) mas como aquela musica “Ele é” dos Arrais, levantei e fui viver.
Posso te pedir uma coisa?



Levanta também, não fica com ódio mais. Nem chora escondido porque desde o tempo em que respirávamos de pertinho eu reconheci que você era mais do que meu amigo, mas meu irmão de vida. Me perdoa. Não existe nada mais cafona que escutar musica para alfinetar o coração de alguém porque você mesmo não soube amar. Digo isso e penso em mim também. É bobo e mantém um vinculo de rancor completamente desnecessário. Amargura vira doença. Serio, meio que ta na Bíblia, na oração do Pai Nosso.
Os dias vão passando e eu percebo que tivemos uma vida, fizemos uma casa, um amor, (um amor tipo  Everything do Michael Bublé ) conhecemos alguns lugares. Mas eu, estranhamente, ainda não sei se você prefere água gelada ou fresca, Godard ou Truffaut, praia ou serra. Pagode ou o que. Eu também não sei nada sobre mim. Você não sabe nada sobre. Não importa mais.

Nosso lado B acabou aparecendo, não era tão perfeito como aparentava: a versão que sabia que jamais poderia ser perfeito, mas tentava ser como Jesus, conforme intuíamos, era uma peça de venda.

E aí eu me apaixonei ainda mais. E a paixão virou amor e amizade e tudo quebrado. Mas voltando, de mãos dadas e tão doente, doente cri, achei que fosse ser um lar um pro outro,  eu sou frágil e nunca tive coragem e o seu colo era o meu lugar, e foi só dor por cima de outras novas dores.
Você acha que sabe tudo, o que é irritante. Você canta, não só em casa, mas no carro, em cima do Julian Casablancas, sem nem saber quem ele é, uma heresia. Só escuta radio popular. Você vira os personagens das suas musicas, não importa se é um canalha sentimental ou um monge, e o mundo que se adapte. Você é irritadinho no trânsito, do tipo vingativo. Você é um príncipe quando quer, um ser que quer conversar só muito depois das nove da manhã. E o pior: você gosta de ar-condicionado. Tem a ponta dos dedos gordinhos.
Mas por que escrevo tudo isso, pequenezas particulares que não interessam a ninguém? Ah, sim, porque essa semana (salvo engano) fez aniversario daquele dia da Marcela Tais em que eu te vi,  e eu queria te dizer uma coisa seriíssima.

É que te amo, serio igual o livro quatro amores me ensinou, mas eu também não gosto de você, daquele você, e daquela eu e não sei se existe alternativa pra isso, minhas expectativas trouxeram lembranças de dor e morte. Nunca vamos saber se estávamos  certos ou errados, você não confia em si mesmo, então como vai confiar em alguém alem do seu umbigo. Como vai conseguir doar o poder? Eu tenho um baita medo do “seu desejo será para... e ele te dominará” eu não entendo nada sobre isso. NADA. Porque não falou que não queria  nos? Antes de virarmos nós. Me desculpa. Se você quiser renovar a vida e fingir que não existiu nada daquela dor, que foi tudo minha culpa,  pode contar comigo, eu finjo.

Eu só gostaria de manter o respeito e a alegria leve. Tem perdão de pecados e justificação disponíveis. Tem Romanos e Cinema...Godard ou Truffaut
Não ria da minha ingenuidade. Eu não rio da sua.   




uma musica linda nesses dias; Djavan cantando Correnteza. 



3 de dez. de 2019

Trindade: mitos de seus opositores

1) A Trindade é uma doutrina de homens.
R.: Não há doutrina divina que não passe pela interpretação humana. Deus quis que fosse assim, por isso, disse que o Espírito nos guiaria a toda verdade. A interpretação sempre esteve no cristianismo desde seu nascimento. Lembra de Atos 8? O etíope não sabia o que estava no profeta, Felipe interpretou.

2) Trindade é uma palavra que não está na Bíblia.
R.: A palavra "Bíblia" também não aparece na Bíblia, mas usamos o termo para nos referir ao conjunto de obras que consideramos infalíveis e divinamente inspiradas. Um termo não bíblico, para se referir à Bíblia. Trindade é o "apelido" para uma série de verdades bíblicas, que se harmonizam, nos revelando a natureza de Deus.

3) Trindade é idolatria, politeísmo ou triteísmo.
R.: Jamais. A Trindade foi elaborada justamente para proteger a fé cristã de uma interpretação não-monoteísta. O arianismo, a primeira heresia a respeito da natureza de Deus, sustentava que Cristo era a mais elevada das criaturas, e que ele era o que havia de mais próximo da divindade. Por isso, uma "criatura divina". O que o colocava na condição de um "outro" deus, e pior um "deus criado". O que implicaria em um golpe direto nas incontáveis afirmações bíblicas sobre a unidade de Deus. Idolatria é adorar a criatura ao invés do criador. Foi nisso que deu a primeira tentativa de oposição à Trindade.

4) A Trindade é de origem pagã, pois em várias culturas pagãs encontram-se tríades (trios de deuses).
R.: Em todas estas culturas não há nada equivalente à afirmação trinitária de que a natureza destas divindades é única e indivisível. Ao contrário, cada uma das divindades que formam a tríade divina pagã, possuem natureza ou "seres" distintos. São três divindades. Afirmar isso, na trindade, seria heresia. Quando se fala "três" na trindade, não tem o mesmo sentido de quando se diz "um". No paganismo, a unidade é mero "sinergismo", e as divindades são diversificadas. No cristianismo, a unidade é essencial, a natureza divina é una e indivisível. Enquanto que nesta unidade divina, há uma diversidade de "personas" (pessoas), cada qual cumprindo uma função ou papel distinto na divindade. Logo, dizemos "três" em referência às distinções entre Pai, Filho e Espírito Santo. Mas, dizemos "um" quanto à divindade.

5) Mas, cristãos dizem "Deus Pai", "Deus Filho" e "Deus Espírito Santo", pra mim parece óbvio que são três deuses.
R.: Mais uma falha na compreensão da história e do desenvolvimento da doutrina cristã. Nenhum dos precursores na compreensão teológica da divindade na trindade, quando usavam a expressão "Deus" três vezes, pensavam em três divindades independentes. Pensavam, que os três compartilham de uma única natureza. Como disse Atanásio: "O Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus, mas não são três deuses." O uso triplo da expressão é apenas para expressar de forma didática que as pessoas da trindade compartilham de uma única natureza divina.

6) Vocês se isentam do debate sobre a Trindade, se escondendo atrás do argumento do "mistério".
R.: O argumento do mistério é uma questão de modéstia. A divindade em um sentido é inescrutável, mas quis se revelar por meio das Escrituras e por sua criação. Sendo estas as fontes que temos, podemos sim, vislumbrar e tirar algumas conclusões sobre o que Deus é e não é. Mas, não podemos tirar conclusões a ponto de esgotar a divindade. Em um sentido, Deus é mais do que a trindade pode explicar, mas em outro sentido, este Deus não pode ser menos do que isso.

7) A Trindade não é relevante para minha salvação.
R.: A Trindade não é meramente uma doutrina com implicações intelectuais. Ela é a narrativa ou história de como Deus se revelou e salvou os homens. Se Cristo não for plenamente divino, como Deus aplacaria o pecado? Se Cristo não for plenamente humano, que humanidade ele está salvando? Se o Espírito Santo não for plenamente divino, como podemos dizer que temos um relacionamento com Deus? Afinal, o Pai é exaltado, o Filho está a sua destra e tem a exclusividade da mediação com o Pai, e sendo nossa relação com Deus o Pai, em Cristo e no Espírito Santo. Seria impossível pensar em um relação com Deus fora do Espírito. E pior, se o Espírito Santo é mera energia impessoal, estamos lascados, pois nosso acesso à Cristo dá-se pelo Espírito Santo. E é inadmissível que uma "energia" seja nossa interface de contato com Cristo. Uma leitura cuidadosa de Efésios 1, pode-se ver que Pai, Filho e Espírito Santo, cooperam em uma harmoniosa obra para "eleger" (Pai), "redimir" (Filho) e "selar" (Espírito Santo). Então, tenha cuidado ao dizer que a Trindade não é relevante para a salvação.

Bem, desculpem, mas escrevi este texto depois de um café do Sul de Minas, precisava dar explicações para perguntas que são absurdamente frequentes. Revisarei o texto depois, vão lendo aí.

Autor: 

CREIO PARA COMPREENDER;

Um Guia para a Formação Espiritual

Franklin Ferreira05 de Fevereiro de 2014 - Vida Cristã
Nas últimas duas décadas, a palavra discipulado foi suplantada pelo termo espiritualidade. O que aparentemente era algo restrito à devoção católica se tornou um dos aspectos centrais do interesse evangélico atual. Uma definição mais básica de espiritualidade cristã é que esta seria o relacionamento profundo com Deus Pai, mediado pela cruz de Jesus Cristo, no poder do Espírito Santo. Indo um pouco além, Alister McGrath sugere que a espiritualidade cristã é:
A busca por uma existência cristã autêntica e satisfatória, envolvendo a união das ideias fundamentais do cristianismo com toda a experiência de vida baseada em e dentro do âmbito da fé cristã. (...) No cristianismo, a espiritualidade significa viver o encontro com Jesus Cristo. A expressão ‘espiritualidade cristã’ refere-se a como a vida cristã é entendida e às práticas devocionais explícitas desenvolvidas com vistas a nutrir e sustentar esse relacionamento com Cristo. A espiritualidade cristã pode, então, ser compreendida como a maneira pela qual indivíduos ou grupos cristãos buscam aprofundar sua experiência com Deus ou ‘praticar a presença de Deus’, para usar uma frase associada particularmente ao Irmão Lourenço.
Sublinhando a união entre as verdades cristãs e uma vida devota, ele escreve mais adiante:
A espiritualidade é a aplicação da verdade cristã à vida de fé. (...) Ela procura colocar Deus no coração e na mente. A espiritualidade ocupa-se do aprofundamento do conhecimento pessoal de Deus, ela se baseia em uma boa teologia, que alicerça a vida cristã. (...) Colocar uma barreira entre teologia e espiritualidade é pedir a duas pessoas apaixonadas que se relacionem friamente.
Assim sendo, de acordo com McGrath, a espiritualidade cristã é “um dos assuntos mais fascinantes que alguém pode estudar”.
Este livro se propõe a ser uma introdução à história da espiritualidade cristã, a partir da vida de trinta e dois importantes personagens da história da igreja. Em ordem cronológica, são eles: Policarpo de Esmirna, Irineu de Lião, Atanásio de Alexandria, Basílio de Cesaréia, Agostinho de Hipona, Leão Magno, Bento de Núrsia, Anselmo de Cantuária, João Wycliffe, João Huss, Tomás de Kempis, Martinho Lutero, Filipe Melanchthon, Ulrico Zuínglio, João Calvino, William Tyndale, Richard Baxter, John Bunyan, Blaise Pascal, Johann Sebastian Bach, Jonathan Edwards, John Wesley, William Carey, William Wilberforce, José Manoel da Conceição, Charles Spurgeon, Abraham Kuyper, Karl Barth, Dietrich Bonhoeffer, C. S. Lewis, Francis Schaeffer e D. M. Lloyd-Jones.
Muito já se escreveu sobre a espiritualidade cristã, sob os prismas devocionais ou pastorais. Em inglês, existem obras que cobrem a história da espiritualidade. Mas, em português, ainda que tenhamos bons livros publicados sobre devoção e espiritualidade, somente recentemente começou-se a publicar algumas obras sobre a história da espiritualidade. Este livro tenta preencher tal lacuna, na medida em que considera a vida de alguns dos principais pensadores cristãos como o terreno onde a devoção e a espiritualidade cristã foram formadas. Assim, busco demonstrar a ligação entre devoção disciplinada, erudição, produção teológica e renovação eclesial e social.
As personagens tratadas nesse livro foram escolhidas obedecendo a três critérios. O primeiro considerou a influência que certos personagens têm em toda a igreja cristã, não apenas uma denominação ou segmento. Aqui podemos destacar Irineu, Atanásio, Basílio, Agostinho, Leão, Anselmo, Lutero, Calvino e Barth, cujos escritos e influência permanecem até hoje conosco. A bibliografia produzida acerca destes personagens e de seus escritos teológicos é imensa, o que dá testemunho de sua influência duradoura. O segundo critério foi a influência salutar que alguns destes personagens podem desempenhar, se forem descobertos por pastores e líderes evangélicos no Brasil. Aqui podem ser nomeados Policarpo, Bento, Tomás de Kempis, Baxter, Bunyan, Edwards, Wilberforce, Conceição, Spurgeon, Kuyper, Lewis, Schaeffer e Lloyd-Jones. A vida e obra de cada um destes personagens merecem um estudo mais aprofundado por parte dos cristãos brasileiros. E o último critério foi o interesse desse autor em pesquisar mais sobre estes personagens. Obviamente, tal interesse se estende a todos os biografados. Mas pode-se citar, mais especificamente, Wycliffe, Huss, Melanchthon, Zuínglio, Tyndale, Pascal, Bach, Wesley, Carey e Bonhoeffer.
Nessa nova edição há dois capítulos inéditos, que tratam de Karl Barth e Dietrich Bonhoeffer. Preciso, nesse ponto, oferecer uma explicação da inclusão destes dois personagens nessa obra.
Ao fim do século xix, as igrejas reformadas e luteranas na Suíça e na Alemanha haviam sido seduzidas pela teologia liberal. Karl Barth não apenas rompeu com este método teológico, mas também o criticou de forma veemente e definitiva, e ele deve receber o crédito por este feito. Ele escreveu o comentário à Carta aos Romanos, considerado um dos mais importantes tratados teológicos do século xx, no qual criticou impiedosamente o liberalismo teológico e o sentimentalismo religioso.
Curiosamente, na atualidade, alguns tentam buscar respaldo em Barth para justificar posições liberais, opostas às doutrinas centrais da fé cristã. Estes tomam um elemento isolado dos escritos de Barth e a empregam para fazer conexões com, por exemplo, a teologia da esperança - a qual ele não conseguia diferenciar do “princípio esperança” marxista. Este é um tipo de apropriação que ele, sem dúvida, repudiaria.
Barth ainda é um teólogo influente na atualidade, ensinando a muitos a fazer teologia confessional, a escrever em diálogo com os Pais da Igreja e os reformadores do século xvi, a basear as formulações dogmáticas numa exegese do texto bíblico centrada em Cristo Jesus e a ambicionar uma teologia sistemática esteticamente bonita.
Portanto, ainda que discordemos da interpretação de Barth sobre a Criação, de sua compreensão da inspiração da Escritura, e de sua explicação da predestinação, deve-se admitir que ele foi um dos grandes teólogos do século passado. Michael Horton avaliou judiciosamente a importância deste escritor para a igreja cristã:
Quaisquer sejam suas deficiências com respeito a sua própria doutrina das Escrituras, o projeto de Barth ao menos representa uma revolução copérnica na história da teologia moderna no que diz respeito ao menos a este ponto: opondo-se ao antropocentrismo do neo-protestantismo com um teocentrismo absoluto que direcionou novamente a luz sobre a iniciativa divina. Deus não apenas determina a resposta, mas também as perguntas. Temos todas as razões para desafiar a doutrina da Palavra de Deus de Barth, mas no que diz respeito à fonte da teologia, estamos juntos: a Escritura, e não a igreja ou a cultura é a norma normans non normata (a norma que normatiza, mas ela própria não é normatizada).
Baseando-se na herança do pietismo, (…) outros [autores] que defendem um evangelicalismo pós-conservador normalmente exibem uma visão mais schleiermachiana que bartiana das Escrituras e da doutrina. Enquanto Barth falou claramente sobre pecado e graça, a pregação e a teologia evangélica de hoje tendem a falar em termos de disfunção e recuperação, distendendo a missão de Cristo ao ‘encarnar’ seu amor e vida transformadora. Barth estava convencido que seres humanos não poderiam contribuir para sua própria redenção e que nada menos que um ato soberano da misericórdia divina era necessário [para tal]. Por contraste, o evangelicalismo está sendo crescentemente inundado por um pelagianismo prático que justifica a avaliação de Bonhoeffer de que o cristianismo americano é um ‘protestantismo sem reforma’. Atualmente, um número crescente de teólogos evangélicos compartilha o antigo desconforto liberal com a doutrina do sacrifício substitutivo de Cristo, enquanto (...) estudantes e admiradores de Barth o defendem. Alguns evangélicos contemporâneos demonstram uma maior abertura a outras religiões como fontes de revelação redentiva, enxergando o evangelho em termos de seguir o exemplo de Cristo (...). Qualquer que seja nossa posição sobre as tendências ‘otimistas’ de Barth em direção ao universalismo, elas são embasadas em sua visão da graça e eleição divina, com Cristo somente como o fundamento. Em outras palavras, o monergismo do cristianismo reformado tem Barth como seu defensor corajoso, em contraste com o evangelicalismo (...). Na terra do ‘protestantismo sem a reforma’, Barth é, de fato, uma voz revigorante. Eu me junto à galeria dos admiradores, especialmente quando as alternativas são o liberalismo ou o fundamentalismo, movimentos que têm mais em comum um com o outro (a saber, a herança pietista) que com o cristianismo reformado. Cristãos reformados confessionais podem aprender muito de Barth (...). No entanto, estou convicto de que onde estas estradas divergem, ocorre um declínio ao invés de uma renovação do legado reformado. Barth permanece como uma figura importante com que se pode contar, não para ser levianamente desconsiderado, nem para ser abraçado sem crítica. Para o bem ou para o mal, sua voz ainda é ouvida entre nós.
Então, usando as palavras de Barth com uma ênfase um pouco diferente, nos entristecemos em discordar dele, contudo somos compelidos a isto em obediência às Escrituras. Mas isso não anula sua importância para a história da igreja e o estudo da fé cristã.
Sobre Dietrich Bonhoeffer, é necessário lembrar que foi somente após 1950 que seus escritos ocasionais e fragmentários foram redescobertos. E estes foram interpretados muitas vezes por meio de especulação ou mera projeção. Infelizmente, como disse Ernesto Bernhoeft, “muitas expressões [de Bonhoeffer, especialmente em Resistência e submissão,] foram interpretadas erroneamente ou sequer foram entendidas”. Então, de acordo com Eberhard Bethge, intérpretes liberais falharam em manter uma continuidade entre seus escritos mais antigos, cujo teor ele mantinha integralmente, e suas cartas da prisão, extrapolando suas ideias “no interesse do marxismo”, citadas como inspiradoras de metodologias teológicas tão díspares como as teologias da libertação latino-americanas e a teologia da morte de Deus anglo-saxônica.
Muitos evangélicos rejeitam os escritos de Bonhoeffer, tratando-os como mera variante do liberalismo teológico do século xix. Com isso, estes deixam de se beneficiar de livros valiosos para a fé cristã, como Vidaem comunhão Discipulado, e perdem de vista percepções instigantes e provocadoras, como: a religião como idolatria; o tenso equilíbrio entre o viver no mundo “como se Deus não existisse” e a necessidade da “disciplina do segredo” (disciplina arcani) por parte da igreja; e a fraqueza de Deus em Cristo revelada na cruz.
No entanto, de seus escritos emerge um quadro teológico com nuances e complexidades, e tanto evangélicos como liberais permanecem desconfortáveis diante do quadro maior, no qual a sua oposição política ao nazismo foi resultado direto de sua teologia. Mas a pergunta importante é: o que podemos aprender dos escritos de Bonhoeffer para sermos melhores cristãos? Logo, ainda que discordando de algumas de suas posições, reconheço que ele foi um seguidor de Cristo, que cria no evangelho, e que a nossa fé pode ser encorajada pela leitura de suas obras e do estudo de sua vida.
Ainda que este livro tenha uma perspectiva histórica, os estudos de tais biografias, juntas, nos fornecem pistas para uma teologia da espiritualidade cristã. Mas, antes, é necessário fazer um alerta ao leitor: estas personagens nos lembram da imagem bíblica de que a vida cristã é uma peregrinação (1Pe 2.11), e, como peregrinos, exemplificam a multiforme sabedoria de Deus (Ef 3.10) e combatem a popular ideia de que há um modelo único, normativo, de espiritualidade cristã.
Levando-se em consideração que se tornou tão comum criar categorias rígidas para julgar a devoção – com o surgimento de rótulos banais e superficiais –, essas vidas lembram que nossa peregrinação cristã é individualizada e não pode ser resumida a chavões. Cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus. Por isso, não existe um modelo pelo qual nossa espiritualidade deva ser medida. A devoção não pode ser resumida a caricaturas simplistas ou reducionistas. Em outras palavras, não existe um modelo único de espiritualidade cristã. O que devemos aprender de mais importante é que a espiritualidade e a devoção não devem ser exibidas (Mt 6.1-8). As personalidades retratadas neste livro não gastaram seu tempo falando das próprias experiências com Deus, mas empreenderam a vida para promover a glória de Deus no sacrifício de seu Filho bendito, recebido por meio do Espírito e ensinado e afirmado na Escritura.
Podemos, então, resumir dez princípios teológicos que emergem deste estudo histórico.
  1. O primeiro princípio é que na vida de todas as personagens aqui estudadas é enfatizada a conversão do pecado, como fruto da graça livre e soberana de Deus. Isso é exemplificado especialmente na vida de Agostinho, Lutero, Pascal, Wesley e Lewis. Como resultado, esses homens se percebiam peregrinos, cuja pátria está nos céus. A grande ambição da vida deles era a glória de Deus, e para isso viveram, escreveram, pregaram e serviram ao bem comum. 
  2. Podemos constatar que a espiritualidade na vida dos nossos biografados é moldada pela Escritura. Deus revela seu amado Filho nas Escrituras, inspiradas pelo Espírito Santo e, por isso, sem erro. Kenneth Kantzer nos diz que a Bíblia, assim como Martinho Lutero nos ensinou muitos anos atrás, é o berço pelo qual Cristo vem a nós. Se tirássemos o bebê do berço e o colocássemos na rua, ele morreria. E se o berço fosse instável e fraco, prejudicaria a segurança do bebê. Da mesma maneira, a doutrina da inerrância é a salvaguarda de uma fé cristã saudável e completa.Em conexão com isto, nossas personagens enfatizaram fortemente uma teologia exegética e bíblica. George Eldon Ladd nos diz que: 
  3. A teologia bíblica é a disciplina que estrutura a mensagem dos livros da Bíblia em seu ambiente formativo histórico. A teologia bíblica é primariamente uma disciplina descritiva, cuja abrangência não busca primeiramente o significado final dos ensinos da Bíblia ou sua relevância para os dias atuais, uma tarefa da teologia sistemática. A tarefa da teologia bíblica é expor a teologia encontrada na Bíblia em seu contexto histórico, com seus principais termos, categorias e formas de pensamento. O propósito óbvio da Bíblia é contar a história a respeito de Deus e de seus atos na história para a salvação da humanidade.
    Ainda que concordando com a definição de Ladd, devemos ir além, e afirmar que o propósito da teologia bíblica não é ser meramente descritiva. A teologia bíblica tem um papel também normativo, uma vez que demonstra o significado do texto e sua relevância para a vida cristã. Isso pode ser exemplificado nas Institutas da religião cristã, de João Calvino. Exposta de maneira sistemática, a teologia presente nesta obra, desenvolvida em torno do Credo dos Apóstolos, começa com a compreensão do texto bíblico em seu contexto histórico. Por esta característica, as Institutas se tornaram, nas palavras de Alister McGrath, “uma declaração definitiva sobre a natureza da fé cristã (...), a obra teológica de maior influência da Reforma Protestante”.
    Essa teologia também está unida à pregação e ao uso da imaginação. Como modelo de teólogos criativos e bíblicos, temos Irineu, Basílio, Agostinho, Leão, Lutero, Calvino, Edwards e até mesmo Barth. Nos textos deles, o uso das ferramentas filosóficas está a serviço do estudo das Escrituras. Por outro lado, em Lloyd-Jones, Spurgeon e Wesley temos modelos de grandes pregadores, cuja mensagem era centrada em Cristo Jesus, morto e ressurreto, e que construíram sobre o legado de seus predecessores. E em Bunyan, Bach e Lewis temos modelos do uso da imaginação, saturada da linguagem das Escrituras, sempre para a edificação da igreja e para a glória de Deus.
  4. Outra característica que se destaca é um forte senso de inadequação para o ministério cristão, e isso está presente em quase todos os biografados, mas é exemplificado especialmente na vida de Atanásio, Agostinho e Calvino. Quando completou oitenta anos, Karl Barth comparou seu próprio trabalho como teólogo ao jumento que carregou Jesus Cristo para Jerusalém (Mt 21.1-3): 
  5. Se fiz alguma coisa nesta minha vida, o fiz como parente do jumento que seguiu seu caminho carregando um importante fardo. Os discípulos haviam dito a seu dono:‘O Senhor precisa dele.’ E, assim, parece que agradou a Deus ter-me usado nesse tempo, exatamente como eu era, a despeito de todas as coisas, as coisas desagradáveis, que muito corretamente são e serão ditas sobre mim. Assim fui usado. (...) Apenas aconteceu de eu estar no ponto certo. Uma teologia um pouco diferente da teologia usual fazia-se claramente necessária em nossa época, e foi-me permitido ser o jumento que carregou essa teologia melhor ao longo de parte do caminho, ou tentou carregá-la da melhor forma que pude.
    Como veremos, todos eles foram pastores e reformadores relutantes. Sabiam que eram pequenos para a grande tarefa à qual Deus os chamou. Sabiam que sua suficiência estava em Deus. Por isso, relutaram em entrar para o ministério cristão. Alguns chegaram a lutar para não entrar no ministério cristão! Eles sabiam que pecadores falarem do Deus vivo para outros pecadores não era uma tarefa corriqueira.
  6. O teólogo reformado holandês G. C. Berkouwer disse certa vez para seus alunos na Universidade Livre de Amsterdã que todos os grandes teólogos começam e terminam a sua obra com uma doxologia. Na vida das nossas personagens, piedade e louvor caminham lado a lado com erudição e conhecimento. Não há uma falsa polarização, tão comum em nosso tempo, entre estudo e devoção ou luz e paixão nesses homens, e isso pode ser visto nas obras de Irineu, Atanásio, Agostinho, Lutero, Calvino, Edwards e Barth. Eles escreveram e pensaram para a glória de Deus e edificação da igreja. 
  7. A maioria das personagens que estudaremos nesta obra foram pastores – e grandes pastores. E, neles, as artes esquecidas do discipulado, da mentoria, da catequese e da evangelização estavam unidas. Vemos isso especialmente em Bento, Tomás de Kempis, Baxter, Wesley, Conceição e Bonhoeffer. 
  8. Essas personagens moldaram o que tem sido chamado de cosmovisão cristã, isto é, uma visão integral da obra de Deus na criação e restauração de todas as coisas, com suas abrangentes aplicações para a vida espiritual, social e cultural. Isso é notado sobretudo em Kuyper, mas também em Schaeffer.
  9. A fé que esses homens tinham na graça de Deus também estava ligada ao seu serviço à sociedade. Eles se dedicaram não apenas à igreja, mas serviram a homens e mulheres de forma integral. Fundaram escolas, universidades, hospitais, lutaram pela abolição da escravatura, traduziram Bíblias e alimentaram os pobres. Essa característica é notada principalmente em Basílio, Melanchthon, Wilberforce e Kuyper. 
  10. No estudo dessas personagens, devemos destacar a ênfase na comunhão dos santos. Pode ser de ajuda ter em mente que a igreja cristã estava unida até o século xi, quando a igreja ocidental e a igreja oriental se dividiram. E, no século xvi, a igreja ocidental novamente se dividiu, durante a reforma protestante, quando a mensagem central das Escrituras foi redescoberta – Deus salva pecadores somente pela graça, recebida pela fé somente. 
  11. Principais Ramos da Igreja Cristã
    séc. I ao séc. XI       A Igreja Cristã
    século XI       Católica Ocidental       Católica Oriental
    século XVI       Protestante       Católica Romana       Católica Oriental       Igrejas Protestantes
    século XVI       Anabatista    Reformada       Luterana       Anglicana
    século XVII       Puritanos (presbiteriana, congregacional, batista)
    século XVIII       Metodista
    século XX       Pentecostal
    Adaptado de What It Means To Be Reformed: An Identity Statement. Grand Rapids, MI: CRC, 2002, p. 8.
    O gráfico anterior pode ajudar o leitor a situar as várias personagens deste livro no ramo denominacional a que pertencem, e seu lugar na história da igreja. Mas, ao mesmo tempo, devemos lembrar o que o famoso evangelista inglês do século xviii, George Whitefield, afirmou, num sermão:
    Pai Abraão, quem está com você nos céus? Os episcopais? Não! Os presbiterianos? Não! Os independentes ou metodistas? Não, não, não! Quem está com você? Nós, aqui, não sabemos seus nomes. Todos os que estão aqui são cristãos (...). É esse o caso? Então, Deus, nos ajude a esquecer o nome de grupos e nos tornarmos cristãos de verdade.
    A vida desses homens nos lembra que a igreja é maior que uma denominação. Na Escritura, o vocábulo igreja nunca é usado para designar um prédio, uma denominação ou a influência cristã na sociedade, mas a grupos locais reunidos para ouvir a Palavra de Deus (At 8.1; Rm 16.16; 2Ts 1.4), e a todo o povo de Deus, através dos séculos (Mt 16.18; 1Co 15.9; Ef 5.25). A igreja é composta de todos aqueles que confiam e descansam apenas no sacrifício único de Cristo na cruz. Então, somos chamados a apreciar a multiforme graça de Deus que age além da denominação à qual pertencemos. Como bem lembra Bruce Shelley:
    A ideia [do termo denominação] remonta a uma ala minoritária do partido puritano na Inglaterra do século xvii. Na Assembleia de Westminster (1643) havia um grupo de independentes [congregacionais (...)]. Esses homens chegaram à conclusão de que a condição pecaminosa do ser humano, até mesmo dos cristãos, tornava impossível a compreensão da plena e clara verdade de Deus. Desse modo, nenhum conjunto único de crenças poderia jamais representar plenamente a exigência total de Deus sobre a mente e o coração dos crentes, e nenhum corpo único de cristãos poderia afirmar ser a verdadeira igreja de Deus sem considerar outros crentes em outros grupos. Assim sendo, na mente desses puritanos, a palavra denominação implicava em que um corpo particular de cristãos (digamos, por exemplo, os batistas) era apenas uma parte da igreja cristã total, chamada – ou denominada – por seu nome especial, batista.
    Que o estudo dessas personagens nos estimule para que venha a ser verdade em nosso tempo o antigo dito cristão: “Em coisas essenciais, unidade; nas não essenciais, liberdade; em todas as coisas, caridade”.
  12. A vida dos biografados foi marcada por grande coragem. Eles dominaram seus medos e confiaram na graça e soberania de Deus. Eles seguiam a senda do Cristo sofredor. Isso é exemplificado na vida de Policarpo, Atanásio, Huss, Tyndale, Carey e Bonhoeffer. 
  13. Seguindo-se a esse ponto, em todas as personagens temos exemplificada a ligação entre devoção, avivamento e triunfo escatológico. Deus conduz sua igreja por meio de contínuos avivamentos na história, o que nos faz esperar pela vinda triunfante de Cristo no último dia. Por isso, nossas personagens continuaram a servir a Deus de forma corajosa, sem nunca ficarem desiludidos ou sem esperança. Já que o Senhor Jesus Cristo ressuscitou dentre os mortos, eles não seriam derrotados de forma alguma, se Deus estivesse ao seu lado. 
O teólogo medieval Pierre de Blois, que viveu cerca de trezentos anos antes de Lutero, afirmou que somos anões espirituais, e, quando estudamos os escritos dos gigantes do passado, no caso, os Pais da Igreja, nos colocamos sobre seus ombros, vendo mais longe. Sou devedor de vários escritores contemporâneos, sobretudo dos textos do eminente historiador metodista Justo Gonzalez. Mas, intencionalmente, evitei escrever um texto acadêmico. Por isso, ao final de cada capítulo, o leitor poderá encontrar não apenas sugestões de leituras para aprofundamento, mas também a recomendação dos livros escritos por esses homens, que, em nome de Cristo, nosso Senhor, fizeram a história da igreja, e que servirão de edificação, desafio, correção, conforto e estímulo em nossa peregrinação. Ao fim do livro são citadas outras obras em língua inglesa que foram úteis na preparação deste livro e que podem ter utilidade para o leitor.
O tema comum a todas as vidas abordadas neste livro é a glória de Deus. Que em tudo o Deus Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, receba a glória: “Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre!” (Rm 11.36).
Fonte: Livro “Servos de Deus”, lançamento de fevereiro de 2014 da Editora Fiel, do autor Franklin Ferreira.
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AutorFranklin Ferreira
Franklin Ferreira é bacharel em Teologia pela Universidade Mackenzie e mestre em Teologia pelo Seminário Batista do Sul (RJ).

Natal Pagão? Calma



Imagine uma família cristã reunida à noite, entoando cânticos, orando e agradecendo ao Deus de Abraão, Isaque e Jacó ao redor de uma mesa pelo evento mais extraordinário que já aconteceu na história, o Natal. Imaginou? Agora imagine também dezenas de jovens cristãos indo para debaixo de um viaduto para celebrar o Natal com moradores de rua, levando a esperança cristã para essas pessoas. Imaginou novamente?
Pois então, uma pessoa que vê nisso tudo um evento pagão, simplesmente já perdeu qualquer capacidade de discernimento, bom senso e graça. Ela caiu em um moralismo legalista, vendo cisco nos olhos dos outros e esquecendo-se do tapume em seus próprios olhos. Gente preocupada com formas, mas que se vedou ao fato de que Cristo encheu nosso mundo de sentido.
Ninguém é obrigado a celebrar o Natal, isto não é uma ordenança bíblica. Mas alegar que um cristão é sincrético, pagão ou idólatra quando o celebra, para mim, é no mínimo, uma acusação desonesta e ingênua.
Cristãos celebram o nascimento de Cristo. A data em si é irrelevante, tanto assim que cristãos coptas e orientais celebram o Natal em outras datas diferentes do ocidental 25 de dezembro. O que importa mesmo é que se celebre o nascimento de Jesus, a encarnação do Verbo que é Deus.
Agora quero demonstrar que o paganismo daqueles que se opõem à celebração cristã do Natal é pior do que o suposto paganismo daqueles que o celebram. Geralmente as críticas são dirigidas ao uso da árvore de Natal, presépio, guirlandas ou o uso de velas do advento.
Não quero defender o simbolismo, sinceramente, isto é pouco relevante. Mas o que temo é a satanização de símbolos, datas e costumes, que hoje, assumem significados específicos dentro da cultura cristã. Símbolos não possuem uma “alma” ou estão possessos ou encantados por uma “ânima” ou “stoikeia”. Símbolos assumem significado dentro de um contexto cultural ou comunitário. Atribuir sentido a um símbolo de maneira contextualizada ou transferir significado de um contexto a outro, se não for intelectualmente desonesto, é no mínimo anacrônico. Símbolos são apropriados e (re)significados em determinados contextos comunitários.
Pagãos sacrificavam animais muito antes de Israel existir, mas quando Israel começou fazê-lo, o ato tinha um sentido muito específico no contexto de seu monoteísmo. Pagãos e politeístas possuíam templos e santuários, mas o santuário construído por Salomão tinha outro sentido teológico. Diversas culturas pagãs possuíam sacerdotes, mas o sacerdócio de Israel respeitava dinâmicas e práticas espirituais com raízes na revelação de YHVH. E, o que dizer, do termo “Elohim” em hebraico, que era amplamente usado pelo paganismo cananeu e sofreu uma apropriação monoteísta pelos israelitas? Parece óbvio que quando Moisés ou Jesus invocavam “Elohim” não chamavam por um deus ou deuses pagãos. Tampouco, quando Sarah chamava Abraão de “baali” (meu senhor ou meu marido) o chamava de “meu Baal” (como referência à divindade levantina).
Símbolos são impressões ou artefatos culturais com significado atribuído comunitariamente. Símbolos não possuem qualquer sentido fora de seus contextos de significado. Artefatos não são possuídos por espírito ou divindades em um sentido panteísta. A atitude de rejeitar símbolos ou datas, só porque, em hipótese, foram utilizados outrora em contextos pagãos com fins não-cristãos, é simplesmente pagã. Que ironia!
Símbolos ou datas são apenas símbolos ou datas, cuja atribuição de sentido é dada de forma diversificada dependendo do contexto que os interpreta. O hexagrama (conhecido como Estrela de Davi) era usado em diversas culturas pagãs, antes da cultura israelita. Quando visitei as ruínas da sinagoga de Cafarnaum em Israel, vi que um dos símbolos utilizados para decorar a mesma era o pentagrama, atualmente conhecido como um símbolo satanista. Entretanto, para os judeus da antiguidade, suas cinco pontas indicavam os cinco livros da Torah (o Pentateuco).
Símbolo é símbolo. Seu sentido é específico dentro de uma cultura específica. O que dizer das marcas irreparáveis do calendário pagão babilônico no calendário judaico-bíblico? O que dizer de reis pagãos que ao observarem a posição dos astros, a partir de sua astronomia tradicional, conseguiram prever o nascimento de Jesus em Belém da Judeia? Deus em sua graça comum, derramou “sementes do Verbo” no mundo, espalhou isso pelas nações. Ele pode usar um falso-profeta pagão como Balaão, uma prostituta pagã como Raabe, um altar pagão, como ao Deus Desconhecido em Atenas (At 17), para que sua verdade penetre em ambientes pouco familiarizados com a “linguagem de Sião”.
Neo-judaizantes são muito previsíveis: retórica primitivista, neo-farisaica, cheia de esnobismo cronológico e de purismo histórico. No afã de erradicar todo “paganismo” da igreja, caem em um tipo de gnosticismo, neoplatonismo… pagão. Como se fosse possível uma fé que ignora o trabalho do Espírito Santo ao longo da história.
Finalmente, você tem todo direito de não celebrar o Natal, obviamente, a data não é uma ordenança bíblica, como já dito. Porém, considerar ou acusar de pagão ou neopagão cristãos reunidos em família para celebrar e agradecer a Deus pelo que João disse: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14). Isto sim é pagão, muito pagão; é a mais pura perda de discernimento histórico e da noção de que Deus deu riquezas às nações e que o cristianismo vem resgatando tal patrimônio para a glória de Cristo.
Celebrarei o Natal com minha família mais um ano e não quero entregar o sentido deste dia e seu simbolismo ao mercado e ao secularismo. Esta glória daremos a Jesus Cristo.
Felix dies Nativitatis.

TEXTO : @igorpensar