31 de jul. de 2017

Para não sentir mais dor


Sempre quis quase tudo desta vida, e tenho a impressão de ter vivido mais do que os anos de vida,mas, por ordem de importância, diria que ser correspondida no amor e fazer parte, ocuparam, desde que me entendo por gente, o topo da pirâmide da minha lista de sentidos da existência e ideias de felicidade. Sou filha do meio, e a distância do "modus operandi" para meus familiares me deixou sozinha durante boa parte da minha infância. Sozinha, nada. Vendo A Ba às voltas com tudo o mais que alegrava minha vida em casa. tracei boa parte do meu destino, ao menos no que diz respeito à vida que escolhi, o Deus que me escolheu e às relações que viria a estabelecer. Tudo por causa da Ba Adelia e a Dorinha. Entretanto, como às vezes a falta marca mais do que a presença — oi Freud! —, o que deixei de viver virou exatamente meu projeto de existência reconfortante: uma mesa, um vinho, duas ou três questões a serem discutidas como se fossem duelo, comida boa, amor em excesso, família real,pouco silêncio,boa música e bons livros.

Porque, como, quando finalmente cresci, e voltei pra cozinha, minha reprodução particular da Santa Ceia ficou guardada numa nuvem primitiva — oi, Steve Jobs! —, e apagada. Ficou esperando pra ser revivida quando eu enfim tivesse os quatro filhos, dois cães e o marido espirituoso e magnético imaginados na infância, e ainda sob o efeito de uma tal de Electra (acho que isso é Sófocles...). A composição familiar, foi sendo protelada ate o momento em que descobri que, diferentemente do que eu havia quase experimentado, o elenco do cenário da sala de jantar ideal — oi, Platão! — não precisava compartilhar o mesmo tipo sanguíneo, mas, sim, uma familiaridade mais doce e suave chamada identificação/amor/escolha/doação/obediência.

E assim o mar vermelho se abriu. Sou um ser de grupo. A maior parte do tempo(!) Gosto só da minha gente, gosto de falar, gosto de ouvir, gosto de discordar, de mudar de ideia, gosto de quem me faz mudar de ideia, de formular teses e antíteses, de criar polêmicas, de aprender, de dizer que não sei mas que sou boa de aprender, de dizer que não sei e que não estou interessada em aprender se o educador for rude com minhas ignorâncias, e sob o efeito de um chopp ou dois entro em qualquer parada verbal, da questão do calvinismo à disputa do Nobel. 
Eu sou um ser de aprendizado.
Ainda não inventaram nada mais bonito do que uma conversa boa e excitante.. Essas coisas me lembram Jesus, e as árvores somos nozes.

É claro que nem sempre essa história acaba bem, e não me importo de dizer que demoro um tanto pra me recuperar de gente que pratica o descarte de pessoas, mas mesmo assim não mudo meu plano de jogo. O saldo do amor é positivo até nas lonas que golpeada experimentei, e quem não sabe perder que ouça Los Hermanos e não venha brincar com meu coração.

Do contrário, o que dizer de uma moça, que, órfã de modelos melhores foi caminhando pela vida e cambaleia um pouco e até hoje não faz conta da companhia? É no mínimo bonito esse bloco de carnaval: "se você ficar sozinho pega a solidão e dança"; como a paz de Cristo e café com leite pra matar meus medos. 

Porque há muitos motivos pelos quais seres humanos se aproximam, mas nenhum deles é mais nobre do que a gratidão. Gratidão é amor que agradece. E, se eu sinto falta de um passado que talvez nunca tenha existido a não ser na minha fantasia, o presente é um dia de chuva fria  embrulhado em laço de fita cor-de-rosa, dado em mãos numa festa à tarde com música ao vivo e algum gim, bolo de chocolate e memórias de 8anos que nunca vão ficar pra trás.

Como no dia em que, caminhando pela Rua Deputado Bernardino de Sena Figueiredo parei ao lado do Jardim que presenciou a noite mais azul que já vivi, e que ele, gaiato, disse, cheio de dengo na voz: fudêú!E eu tava pensando que pelo menos ia poder jogar fora aquela mania horrível de ter expectativas... 
Nunca vi uma moça tão elegante gostar tanto de usar sapato surrado... sapato surrado é como o papai chama expectativas. Todas são tolas e todas te deixam na mão. É pra se fazer de pobre? Não pode sofrer malvestida, meu amor... Era a imagem mental que eu tinha de mim mesma. 

Um humor é um humor. Venho aprendendo a destrancar o coração e a cozinhar arroz decente. Enquanto isso, de botas novas, compro almofadas pra menina que eu fui e pra mulher que eu sou, torcendo pra que elas virem uma só, e que deixem a porta aberta..