Foi pelo fim da tarde que sentiu,
pela quinta vez naquela semana, a mesma saudade maluca, ôh coisa
inconveniente.
- Sai pra lá- ele disse, como já
tinha dito nas outras vezes.
Mas ela não saiu.
A dona-maria-da-saudade.
Resolveu ficar.
Ali.
Incomodando. Sufoco danado. E tá calor.
- Só me faltava era essa.
- Alguém convidou à senhora por
acaso?
- Eu tenho mais o que fazer!
E continuou andando, como fazia diariamente.
E não é que ela foi junto com ele?
Foi.
A dona saudade-sua-chata-padaná.
Junto com ele.
Quem olhasse assim pensava até que
eram colegas, ele e a saudade.
- Imagina se eu ando com gente do
tipo que só aparece pra perturbar os outros!
Mas, independente de aprovação da
parte dele, ela continuou dando uma ré no pensamento do pobre, e o coração se
espremendo, quanto mais ia pra trás o tempo.
Parecia que estavam rebobinando o
filme.
Ela indo embora, os choros-que
foram-muitos-uma-dor-no-peito, domingo, casa cheia, o casamento de amigo, as
crianças pequenas, Ela beijando devagarinho, o batizado, o ciúme, a mais velha,
a recém nascida todinha de rosa, Ela, grávida, que mais parecia com uma
epifania e filho dentro dela, Ela de véu e grinalda naquela foto de revista, Ela
chegando pro primeiro encontro, Ela na praia, o cheiro antigo no hall do prédio,
o dia que ele chegou no Rio de Janeiro, a última noite em São Paulo.
E quando a lembrança chegou lá, a
saudade resolveu dar um stop e deu mesmo.
Parou foi tudo.
O pensamento.
Ficou só Ela no meio de um branco sem
nada por trás dela.
Ela de vestido.
Calada.
Sem jeito.
Vestido preto, nela, era feito roupa
de artista, no cinema. Os olhos tão vivos olhavam a mão.
Tinha cara de memória, já naquele
tempo.
Nunca mais ele tinha pensado nela.
Estaria viva?
Lembraria dele?
"Gostaria de dançar
comigo?", foi a primeira frase que ele falou pra ela, antes das outras.
Dali pra frente, palavras de namoradinhos, uma ou outra, coisa de gente
moça.
Mas era pra trás que o pensamento
corria, rebocado pela saudade.
Maluquice.
Balão, as mesas, e as suas toalhas, e
Ela, os dois rodando no salão, gostaria de dançar comigo? Todos os olhares
trocados, bilhetes engavetados, mais pra trás um pouco, o dia em que os dois
foram apresentados, antes ainda, o pensamento voltando até chegar em um tempo
tão remoto que ele nem sabia da existência dela, ou seja, pra ele, Ela não
existia.
Nada na lembrança.
E agora ela ali com ele, quem diria?
Ele e Ela, em pleno calçadão até
ouvindo a musica do menino-barbudo-do-Los Hermanos-o-Marcelo-Camelo- “Saudade”...
- Que tal uma água de coco?
Ela aceitou.
E haja recordação, declaração,
lamento, esclarecimento, que pena, se eu soubesse, todas as palavras que nunca
haviam sido ditas, muitos abraços, alguns mais desses de caber só você, tudo
que não tinha acontecido acontecendo de repente.
Ele e Ela, emocionados, madrugada.
Saudade tem essa mania de enfeitar as
coisas que aconteceram, ou não, do
modo que lhe convém e da maneira que lhe pareça mais bonito.