Imagine uma família cristã
reunida à noite, entoando cânticos, orando e agradecendo ao Deus de Abraão,
Isaque e Jacó ao redor de uma mesa pelo evento mais extraordinário que já
aconteceu na história, o Natal. Imaginou? Agora imagine também dezenas de
jovens cristãos indo para debaixo de um viaduto para celebrar o Natal com
moradores de rua, levando a esperança cristã para essas pessoas. Imaginou
novamente?
Pois então, uma pessoa que vê
nisso tudo um evento pagão, simplesmente já perdeu qualquer capacidade de
discernimento, bom senso e graça. Ela caiu em um moralismo legalista, vendo
cisco nos olhos dos outros e esquecendo-se do tapume em seus próprios
olhos. Gente preocupada com formas, mas que se vedou ao fato de que Cristo
encheu nosso mundo de sentido.
Ninguém é obrigado a celebrar
o Natal, isto não é uma ordenança bíblica. Mas alegar que um cristão é
sincrético, pagão ou idólatra quando o celebra, para mim, é no mínimo, uma
acusação desonesta e ingênua.
Cristãos celebram o
nascimento de Cristo. A data em si é irrelevante, tanto assim que cristãos
coptas e orientais celebram o Natal em outras datas diferentes do ocidental 25
de dezembro. O que importa mesmo é que se celebre o nascimento de Jesus, a
encarnação do Verbo que é Deus.
Agora quero demonstrar que o
paganismo daqueles que se opõem à celebração cristã do Natal é pior do que o
suposto paganismo daqueles que o celebram. Geralmente as críticas são dirigidas
ao uso da árvore de Natal, presépio, guirlandas ou o uso de velas do advento.
Não quero defender o
simbolismo, sinceramente, isto é pouco relevante. Mas o que temo é a
satanização de símbolos, datas e costumes, que hoje, assumem significados
específicos dentro da cultura cristã. Símbolos não possuem uma “alma” ou estão
possessos ou encantados por uma “ânima” ou “stoikeia”. Símbolos assumem
significado dentro de um contexto cultural ou comunitário. Atribuir sentido a
um símbolo de maneira contextualizada ou transferir significado de um contexto
a outro, se não for intelectualmente desonesto, é no mínimo anacrônico.
Símbolos são apropriados e (re)significados em determinados contextos
comunitários.
Pagãos sacrificavam animais
muito antes de Israel existir, mas quando Israel começou fazê-lo, o ato tinha
um sentido muito específico no contexto de seu monoteísmo. Pagãos e politeístas
possuíam templos e santuários, mas o santuário construído por Salomão tinha
outro sentido teológico. Diversas culturas pagãs possuíam sacerdotes, mas o
sacerdócio de Israel respeitava dinâmicas e práticas espirituais com raízes na
revelação de YHVH. E, o que dizer, do termo “Elohim” em hebraico, que era
amplamente usado pelo paganismo cananeu e sofreu uma apropriação monoteísta
pelos israelitas? Parece óbvio que quando Moisés ou Jesus invocavam “Elohim”
não chamavam por um deus ou deuses pagãos. Tampouco, quando Sarah chamava
Abraão de “baali” (meu senhor ou meu marido) o chamava de “meu Baal” (como
referência à divindade levantina).
Símbolos são impressões ou
artefatos culturais com significado atribuído comunitariamente. Símbolos não
possuem qualquer sentido fora de seus contextos de significado. Artefatos não
são possuídos por espírito ou divindades em um sentido panteísta. A atitude de
rejeitar símbolos ou datas, só porque, em hipótese, foram utilizados outrora em
contextos pagãos com fins não-cristãos, é simplesmente pagã. Que ironia!
Símbolos ou datas são apenas
símbolos ou datas, cuja atribuição de sentido é dada de forma diversificada
dependendo do contexto que os interpreta. O hexagrama (conhecido como Estrela
de Davi) era usado em diversas culturas pagãs, antes da cultura israelita.
Quando visitei as ruínas da sinagoga de Cafarnaum em Israel, vi que um dos
símbolos utilizados para decorar a mesma era o pentagrama, atualmente conhecido
como um símbolo satanista. Entretanto, para os judeus da antiguidade, suas
cinco pontas indicavam os cinco livros da Torah (o Pentateuco).
Símbolo é símbolo. Seu
sentido é específico dentro de uma cultura específica. O que dizer das marcas
irreparáveis do calendário pagão babilônico no calendário judaico-bíblico? O
que dizer de reis pagãos que ao observarem a posição dos astros, a partir de
sua astronomia tradicional, conseguiram prever o nascimento de Jesus em Belém
da Judeia? Deus em sua graça comum, derramou “sementes do Verbo” no mundo,
espalhou isso pelas nações. Ele pode usar um falso-profeta pagão como Balaão,
uma prostituta pagã como Raabe, um altar pagão, como ao Deus Desconhecido em
Atenas (At 17), para que sua verdade penetre em ambientes pouco familiarizados
com a “linguagem de Sião”.
Neo-judaizantes são muito
previsíveis: retórica primitivista, neo-farisaica, cheia de esnobismo
cronológico e de purismo histórico. No afã de erradicar todo “paganismo” da
igreja, caem em um tipo de gnosticismo, neoplatonismo… pagão. Como se fosse
possível uma fé que ignora o trabalho do Espírito Santo ao longo da história.
Finalmente, você tem todo
direito de não celebrar o Natal, obviamente, a data não é uma ordenança
bíblica, como já dito. Porém, considerar ou acusar de pagão ou neopagão
cristãos reunidos em família para celebrar e agradecer a Deus pelo que João
disse: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14). Isto sim é pagão,
muito pagão; é a mais pura perda de discernimento histórico e da noção de que
Deus deu riquezas às nações e que o cristianismo vem resgatando tal patrimônio
para a glória de Cristo.
Celebrarei o Natal com minha
família mais um ano e não quero entregar o sentido deste dia e seu simbolismo
ao mercado e ao secularismo. Esta glória daremos a Jesus Cristo.
Felix dies Nativitatis.
TEXTO : @igorpensar
TEXTO : @igorpensar
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