20 de abr. de 2014

Do Tempo.



E aí o Tempo cansou.
Quis parar. Olhou pra Ele e viu o resumo de si. 
Olhou para frente e não viu nada. E nem poderia ter visto coisa alguma, pois se o futuro não havia acontecido ainda, nada havia para se ver. 
Então o Tempo pensou que nunca tinha parado antes. Nem mesmo para pensar. E concluiu que bastava ficar ali parado e tudo o mais pararia com ele. E aí se deu conta de que era, nada mais, nada menos, do que o condutor dos acontecimentos, o desbravador do desconhecido, o senhor absoluto do depois, o escritor de cada palavra dessa imensa frase cujo final todo mundo desconhece. 
Sentiu-se todo poderoso e supremo. Mas logo em seguida foi acometido por uma crise existencial sem precedentes. 
Qual seria, afinal, a finalidade da sua longa jornada? 
Haveria um objetivo? Um prêmio? A descoberta de um mistério? Uma faixa de chegada? Ou estaria ele destinado a seguir eternamente as reticências, que sempre o conduziram, para lugar nenhum? 
E pela primeira vez, desde o começo de tudo, ele teve medo do que estava por vir. Sentiu-se inseguro, o Tempo. Quis ser adivinho. Quis acreditar na sorte. Quis que não fosse com ele. Quis evitar a próxima palavra desconhecida. Quis, enfim, desistir. 
Foi quando ele olhou para trás e viu o ontem.
Em seguida lá estavam o ante ontem, a quarta-feira, a terça, a segunda, e abril, março, fevereiro, janeiro, 2010,e o século passado, a Idade Média, a Pré-história...
Seria mais negócio seguir adiante, sabe lá até onde e quando, ou voltar pelo caminho percorrido até o começo, seu porto?
Já se passara muito tempo e o Tempo não se lembrava mais de onde partira.
Eram tantas as lembranças que elas se misturavam em imagens soltas e desalinhadas: confusos vazios, florestas, metrópoles, festas, batalhas, maremotos, desertos, multidões.
Enquanto ele pensava, tudo ficou pendurado no ar, mas esse vácuo não durou mais que a estranheza de uns instantes, pois o Tempo resolveu dar meia volta e começou o regresso.
Estava cansado demais para seguir em direção ao ignorado. Talvez estivesse ficando velho. E quem sabe não rejuvenesceria, durante o reverso do caminho, até recuperar o frescor de outrora?
Muito lhe custava acompanhar o ritmo em que tinha vindo. Mesmo assim, foi indo. Revendo tudo se passar ao contrário. 
Alguns fatos já estavam completamente esquecidos e lhe causaram tanto espanto quanto tinham causado da primeira vez que aconteceram. 
Outras vezes, porém, durante a jornada, ele teve aquelas estranhas sensações de déjà vu.
Quanto mais se aproximava do início da frase, mais o Tempo ansiava em relembrar todo o pretérito e descobrir a sua origem. 
Muitos séculos se passaram, de trás para frente, até que a linha do horizonte foi virando um ponto. E só quando ele chegou lá, conseguiu ler as primeiras palavras que, estranhamente, terminavam exatamente no ponto inicial: “Era uma vez um tempo que ainda ia voltar, em Mim. Assinado Deus."
Só então o Tempo se lembrou que já tinha passado por ali incontáveis vezes, e, mais confuso do que nunca, já não sabia mais se aquilo era o início da história ou se era o seu final.